terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Der Tisch

   Não sei precisar o ano em que nasci, nem o mês. Mas sei que era inverno e que o tempo estava seco. Me deram o banho do nascimento e logo já não havia em mim sinal de umidade. Nem mesmo da lágrima que esperei em vão cair de seus olhos.
   Isolada e tendo apenas um punhado de atenção de tempos em tempos, comecei desde cedo a entender minha condição solitária e, para não enlouquecer no silêncio, me apeguei aos pensamentos sobre a minha origem e sobre o meu futuro. Lembrei-me das feições daqueles outros que estiveram comigo nos primeiros tempos, cujos destinos e nomes eu nunca soube. E comecei a supor que apesar de nossas imensas diferenças teríamos algo em comum não só na origem como também na matéria. Algo como um parentesco. Algo que um dia pudesse novamente nos unir... No meio desses meus primeiros devaneios, fui obrigada a mudar de casa.
    Nesse novo lar eu já não era isolada e aos poucos fui esquecendo os meus iguais (não saber seus nomes facilitou este processo) e pouco a pouco comecei a me sentir parte daquela nova gente que agora me rodeava. Me bateram algumas vezes, mas não guardei cicatrizes internas de nenhum dos episódios. Suportei e fui suportada. As vezes eu era o centro da conversa, as vezes ficava só ouvindo de canto e em dias de jogo só precisava cuidar das cervejas e dos beliscos. 
   Foi um tempo longo e feliz. Mas nunca me enganei que fosse para sempre pois, frequentemente, ouvia por detrás da porta os planos para o futuro. E eles não me incluíam... 
    Fui deixada para trás e mais uma vez me recolhi no silêncio e nos meus pensamentos. Muito embora eu tivesse bagagem, duvidava que as marcas do tempo que também carregava pudessem ser atraentes e anunciar minha utilidade a alguém. Só Deus sabe quanto tempo fiquei ali naquele abrigo esperando alguma coisa acontecer e rezando no escuro para que minha vida passasse depressa. 
     Mas Ele me guardou uma grande surpresa. 
    Sem saber se era dia ou noite acordei num sobre-salto sentindo o calor de olhos arregalados sobre mim. O susto se transformou em conforto quando me dei conta que o esbugalhado diâmetro da órbita indicava a felicidade pelo fim da busca. Me faltou chão quando o sorriso se abriu nos lábios daquela moça e ouvi o seu sussurro "Acho que tenho uma posição perfeita para você!"
    Ganhei um novo lar e pela primeira vez pude ter o prazer de sentir cães passando por entre as minhas pernas. Nos almoços de Domingo ficava rodeada de crianças com quem passava as tardes jogando longas partidas de xadrez. Nesses quase 20 anos de convivência fui cuidada com os melhores cosméticos naturais e desenvolvi o excêntrico gosto pela roupa de crochê o que, paradoxalmente, me trouxe de volta a juventude.
   Meses atrás ouvindo o que tramavam bem ali na minha cara receei novamente o abandono. Mas dessa vez, no dia D, houve grandes diferenças: vieram me buscar e os olhos ora esbugalhados estavam estreitos e úmidos. Não demorou para eu perceber que já não era mais um traste ou um trambolho, mas um presente de amor. Uma herança.
   Embarquei para o meu novo destino sem saber qual era e ignorando a existência de todos os outros imigrantes que estavam na mesma viagem. Por um acaso, fui a primeira a sair da caixa e dar um olá para a nova geração de donos e, por conta disso, pude saudar um a um os meus novos companheiros a medida que foram sendo desembrulhados.
   Muita coisa mudou. Sinto falta dos cães. Ganhei um novo nome. Nessas novas terras não sou neutra, mas masculina, embora as velhas curvas arredondadas não neguem o meu verdadeiro gênero. 
   Pretendo viver para sempre.



PS: Obrigada, Mãe! Foi um lindo presente.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Luzern

   Não adianta bater que eu não deixo você entrar... ♫ ♪ ♫ ♪ ♫ ♪....
   Quem se lembra do celebre jingle das Casas Pernambucanas e da promessa de aconchego no inverno que as imagens da propaganda traziam não pode entender de onde tiramos a brilhante ideia de sair de casa para passear ao relento num sábado que previa máxima de 2 graus. Mas explico que a ideia surgiu exatamente da visão meteorológica: Luzern era a única cidade próxima em que a previsão indicava sol.
    Lá fomos nós com todos os fiéis apetrechos da viagem de um dia. Pegamos um trem e em menos de uma hora desembarcávamos na cidadezinha... nublada. Às 11 horas da manhã os termômetros indicavam -1ºC e o vento... bem, o vento não indicava nada de bom.
   Demos o rolezinho tradicional no centro velho entrando em uma lojinha de 50 em 50 metros para não termos que passar por uma cirurgia de amputação dos pés.  Ao atravessar as ruas nos demorávamos atrás dos escapamentos e a nossa diversão foi imaginar se aquele sujeito em posição suspeita na esquina teria uma fumacinha saindo da bunda quando o seu pum escapasse. 
   Lá pela hora do almoço um raciocínio simples nos levou a uma pizzaria e, 15 minutos depois de termos terminado a refeição, à um café para devorar um apfelstrudel divino. Era evidente que naquelas condições precisávamos de, no mínimo, 7.985 calorias cada um.
   Já alimentados seguimos para os pontos turísticos da cidade. Fomos até o Leão Helvético e em seu poço joguei uma moedinha desejando voltar a sentir o resto do corpo e não somente a testa. Uma vez a simpatia não dando certo, entramos na igreja local para pedir mais diretamente ao Nosso Senhor que nos mostrasse as terríveis consequências do aquecimento global! Certamente Ele não nos ouviu pois no exato momento em que nos ajoelhamos para fazer nossas preces começou o interminável processo de afinação do órgão. Nota por nota. 
   Já era madrugada, 5 da tarde, quando decidimos ir até as muralhas da cidade e, ao invés de encontrarmos um cenário medieval, encontramos o esconderijo da Bruxa de Blair. Além do Vitão na versão "O Iluminado", é claro.
   Mas o que tenho de mais relevante a dizer é que mesmo no meio da névoa, Luzern é linda. E mesmo tendo passado o dia sem sentir o ar que entrava pelo nariz, gosto de pensar que esse tipo de recordação é que vai aquecer o nosso lar.
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Musiquinha das Casas Pernambucanas, nostalgia pura: 



O Vil Metal


"Distant ships sailling into the mist..."




Vitão Abajour

sábado, 19 de novembro de 2011

Obsessão

Deitado na noite tranquilamente
Tem os olhos fixados no infinito
E embora tenha atividade na mente
O pensamento só chega até o teto

Na cabeça giram assuntos distintos
Mas apenas um ocupa o seu tempo
Amor e ódio reviram seus intestinos
E agora há muito pouco a ser feito

-O que pensa, na morte da bezerra?
-Não, só no assassinato daquela vaca!

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Planilho Sim - Homenagem ao Excel

Paródia de "Eu Bebo Sim" 
   => se não conhece a música clique aqui: http://www.youtube.com/watch?v=DU6TwSbxFp4 

Planilho sim
E vou vivendo
Tem gente que não planilha
E está morrendo (2x)

Tem gente que adora Power Point
Só não perde para o Word
Não calcula e formata mal
Pra poupar a loucura corriqueira
Ser fiel a vida inteira
Excel é que é o tal

Planilho sim
E vou vivendo
Tem gente que não planilha
E está morrendo (2x)

Tem gente que adora dar chilique
Pois no fundo de sua psique
Só tem atalho mirim
Mas essa gente
Quando tá com a mesa cheia
Fala baixo, não alardeia
Pede ajuda, até que enfim!

Planilho siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim!

Planilho sim
E vou vivendo
Tem gente que não planilha
E está morrendo (2x)

Excel não faz mal a ninguém
Uma continha não debilita ninguém
Procv não faz mal a ninguém
(Power Point faz mal a saúde)

Somase não mata ninguém
Concatenar não prejudica ninguém
Desloc não machuca ninguém
(Power Point faz mal a saúde)

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E A LETRA DA ORIGINAL...

Eu Bebo Sim 

Eu bebo sim e tô vivendo
Tem gente que não bebe
E tá morrendo (2x)

Tem gente que já tá com o pé na cova
Não bebeu e isso prova
Que a bebida não faz mal
Um pro santo, desce o choro, a saideira
Desce toda a prateleira
Diz que a vida tá legal

Eu bebo sim e tô vivendo
Tem gente que não bebe
E tá morrendo (2x)

Tem gente que detesta um pileque
Diz que é coisa de moleque
Cafajeste ou coisa assim
Mas essa gente
Quando tá com a cara cheia
Vira chave de cadeia
Esvazia o botequim

Eu bebo sim e tô vivendo
Tem gente que não bebe
E tá morrendo (2x)

Bebida não faz mal a ninguém
Bebida não faz mal a ninguém
Bebida não faz mal a ninguém
(Água faz mal à saúde)(2x)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Ode à Alcachofra

    Obrigada, Alcachofra, por me lembrar qual é a sensação de comer com a mão e lamber os dedos. Por me proporcionar um momento ritualístico em plena quarta-feira. Obrigada por me trazer de volta o sabor quase raro de infância e por me forçar a usar o fio-dental. 

 Obrigada por não empunhar os seus espinhos a quem te devora. Obrigada por me disciplinar a comer com paciência, arrancando suas mil pétalas uma por uma.  E após a tortura implacável, por me premiar com o seu coração. Obrigada por me permitir deixar o melhor para o final e por me mostrar que pouca comida também alimenta. 

    Obrigada por jogar na minha cara que as flores duras, grossas e com pouca cor também têm valor incalculável.

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RECEITA DE ALCACHOFRA

Ingredientes

-4 alcachofras frescas e novas
-500g de carne moída
-1 cebola picada
-3 dentes de alho ralados
-1 colher de óleo
-2 latas de tomate pelado (uns 700g ao todo)
-Sal e pimenta a gosto

Modo de Fazer

-Lave as alcachofras em água corrente e deixe-as imersas em água por 10 minutos
-Refogue a carne moída em uma panela grande até que fique bem cozida e seca
-Abra um "buraco" no meio da carne para refogar ali a cebola e o alho no óleo. Quando a cebola e o alho estiverem douradinhos, misture tudo.
-Adicione o tomate pelado e a mesma medida de água. Despedace os tomates com a colher.
-Coloque o sal e a pimenta
-Escorra as alcachofras e abra as suas folhas o máximo possível sem que despedacem. Coloque-as na panela de forma que fiquem cobertas pelo molho.
-Deixe cozinhar com a tampa fechada por aproximadamente 1 hora.
-Na hora de servir, coloque as alcachofras no prato e jogue o molho com a carne entre as suas pétalas.

Modo de comer

-Lave suas mãos
-Não use talheres
-Arranque pétala por pétala e vá levando-as á boca como se fossem conchas com molho.
- Saboreie a carne moída e o molho que estão sobre a pétala, mas também raspe-a no dente para liberar a sua carninha.
-Cuidado no final porque perto do fundo algumas alcachofras têm espinhos. Se a sua tiver, retire-os cuidadosamente e parta para a melhor parte: comer o coração.... Uhmmmmmmmmm
-Lamba os dedos.




terça-feira, 15 de novembro de 2011

Homenagem à gentil estranha

No mercado diário cumpro o procedimento
Apanho o que me falta e a fila mais curta
Rápido me ajeito para evitar constrangimento
Apoio a bolsa sobre a perna torta
Carteira em uma mão, sacola na outra

Mas hoje no meu treino algo saiu errado
Viajando em qual nova palavra usaria
Alguém me cutuca e sorri ao meu lado
Sinto o olho arregalado e a mão fria
"Entschuldigung, não te entendo"
E pulamos para a mímica que vence a teoria

Ela tinha quatro itens, eu apenas um
Perto dos seus cabelos brancos
Minha cabeça parece não ter nenhum
Me ofereceu a dianteira
E um curso rápido da língua e da gentileza locais
"Obrigada, minha senhora
Pressa eu já não tenho mais"

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

P.E.I.

    Me lembro de uma vez ter ido a um clube famoso de São Paulo numa quarta-feira a tarde por conta de uma investigação para o trabalho. Na ocasião fiquei me perguntando o que diabos aquele bando de pessoas que enchiam as beiradas das piscinas fazia da vida para poder estar aquela hora do dia bronzeando o corpitcho de papo pro ar. É... Naquela época eu jamais poderia imaginar que um dia eu também seria parte da População Economicamente Inativa.
     Preciso confessar que no início de toda a nossa mudança essa perspectiva me causou extremo pânico e ainda hoje não tenho pleno conforto em pensar que não trago nenhum sustento para a casa, como sempre tive como determinação na minha cabeça. Porém, aos poucos, meus preconceitos começam a ruir, as coisas vão tomando o seu tamanho real e começo a entender que nada na vida é tão determinado e definitivo assim. 
    Me deparo agora com uma vida de glamour infinitamente menor do que o das pessoas que nadam nas piscinas do Paulistano e, diferentemente do que eu pensava, tenho muito onde ir, o que fazer, pensar e aprender. O tempo é uma dádiva da qual não nos damos conta e que ajuda imensamente a  entender o profundo dos nossos valores e o que nos realiza como seres humanos. 
     O que tenho encontrado na vida de PEI são "Is" muito diferentes da expressão "original". Encontrei  Interesse. Introspecção. Inspiração. Identidade. Imaginação. Inventividade. Intangibilidade. Ilusão....  Encontrei o improvável.


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Síndrome de Garfield

    A domingueira que nasce já no finzinho do sábado e se estende por todo o dia que lhe batizou, só atinge o seu ápice no momento em que o despertador toca estridente na manhã da segunda-feira. É aí, então, que nos damos conta que o sintoma deveria se chamar segundeira
    Não sei ao certo se para justificar a rejeição pelo dia ou se para faze-lo ter algum significado mais etéreo, estranhamente escolhemos as segundas-feiras para mudar algo muito difícil ou para olhar mais otimisticamente a nossa vida. Pelo jeito até Deus usou dessa forma de terapia quando resolveu criar o mundo. Assim como qualquer um que inicia um regime na segunda é claro que Ele só podia estar de ressaca... Que atire a primeira pedra quem nunca amaldiçoou uma segunda!
    Desafiando o ódio natural pelo dia que inaugura a semana, acordei cedo decidida a começar algumas coisas.

1- Elegi a segunda como o dia oficial da faxina (tem outro melhor para odiar?). Dei um tapa na casa.
2- Pelamordedeus, tenho que parar de roer unha! Auto-manicure ativar.
3- Preciso praticar o meu inglês (e encontrar pessoas). Assinei o contrato com a escola de línguas.
4- Os 30 já estão chegando e a gravidade tem feito estragos terríveis. Esperando que sejam reversíveis, fiz 1 hora de exercícios.

    Eu só não contava que também o tempo estava iniciando algo de novo: o inverno. Agora as costas doem e os dedos esmaltados estão frios... Nada de estudar línguas! Simbora para debaixo das cobertas assistir alguma coisa que me lembre sexta-feira!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Provocação

   Atrasada, entrei no primeiro tram que apareceu na minha frente para, um minuto depois que a porta se fechou, reparar que eu tinha subido no que daria a maior volta possível. Mas, uma vez que o caminho se distanciava muito do convencional já a partir da próxima parada, decidi ficar, colocar a pressa de lado e degustar a nova paisagem que me estava sendo proporcionada. O curioso foi que não a paisagem de fora, mas, sim, a de dentro que me cativou. Digo, sem o menor receio da repreensão do público, que eu, mulher casada, gastei todos os 12 minutos do percurso paquerando no tram!
    De início me causou certa repulsa aquele dedo enfiado no nariz, mas o sorriso de lado e o olhar insistente sobre mim conseguiram me capturar e, o que era de início um interesse puramente escatológico, acabou virando uma paixão a segunda vista.  
    Nos primeiros minutos joguei o típico jogo do faz-de-conta-que-não-estou-olhando, mas logo eu já não conseguia disfarçar... Que olhos! Que charme! Que presença! Reparei que ele continuava me mirando por trás de uma mecha de cabelo que caia sobre a sua testa. Sustentei meus olhos na sua direção até ser tomada pela timidez. Olhei para minhas mãos... O que ele acharia se as visse tão maltratadas assim? O sorriso maroto permaneceu ali na minha cola. Com as pupilas dilatadas, tentei novamente encara-lo,  como faria uma mulher moderna.  E com o passar das tentativas fui ficando mais auto-confiante e a relação entre nós cada vez mais séria. Em determinado momento, pensei até em mandar um beijo discreto... mas avaliei que poderia ser um movimento ousado de mais para os padrões daqui. 
   Mas afinal, o que estava acontecendo comigo? Consegui ver tão profundamente seus olhos que me senti provocada por dentro e o pensamento sobre aquela possibilidade me estremeceu e, subitamente,  escapou de mim pelos lábios.
    Não sei ao certo se interceptando o namoro ou simplesmente pela chegada ao destino, sua mãe o pegou no colo e apertou o botão para descer no próximo ponto. Sentindo meu coração mais aberto, me despedi com o olhar, mas não sem antes reconhecer a beleza que há nos caminhos não planejados.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Quibe Albino

    Hoje encasquetei que queria fazer um quibe assado. Logo cedo já fui ao mercadinho da esquina à procura dos ingredientes, o que por si só já é uma grande aventura, haja vista que as coisas estão sempre nos lugares mais inesperados das prateleiras. 
    Não tive problemas em localizar os ingredientes frescos, como cebola e cheiro verde. Então segui para a parte de resfriados em busca da carne moída. Até achei, mas o preço era impeditivo. Pagar o equivalente à R$80 no Kg da carne moída, cuja procedência você nem tem condição de identificar, é uma coisa que eu me recuso a fazer... ainda mais se é para colocar numa receita em que a carne não é o ingrediente principal e sim o trigo. 
    Não tive dúvidas, cortei a carne da lista e adequei o plano e a minha vontade para um quibe vegetariano! Isto resolvido, me restava procurar o ingrediente herói. Olhei na gondola de farinhas e não achei nada parecido. Depois na de pães, que estava bem ao lado. Nada. Depois na das castanhas. Nada. Finalmente, no corredor dos laticínios, junto aos cereais matinais, encontrei uma embalagem cuja imagem não negava que se tratava de trigo.
    Já em casa, separei os ingredientes para começar minha experiência vegetal. Cortei as cebolas, ralei o alho e a cenoura e escorri o iogurte. Mas quando fui colocar o trigo na água reparei que o grão era muito diferente do que eu tinha na memória. Era grande e duro demais para descartar a etapa de cozimento, como acontece na receita tradicional de quibe. Além disso ele era muito branco. Pensei comigo: "Deve ser um tipo diferente... um tipo dessas bandas...um trigo ariano!" 
    Só para me certificar, fui até o Google translator tentar descobrir que tipo de trigo era o tal do Rollgerste indicado na embalagem. É... Acho que eu estava bêbada na hora que achei que cevada era trigo! Agora só me resta botar a cerveja na geladeira e esperar o marido para, juntos, experimentarmos o primeiro quibe albino da história.

QUIBE ALBINO

Ingredientes:

-500g de cevada em grão
-1 cebola ralada
-3 cebolas em rodelas
-3 dentes de alho ralados
-1 cenoura grande ralada fino
-200g de iogurte natural escorrido
-1 caldo de legumes
-2 colheres de manteiga
-1/2 xícara de azeite
-Cheiro verde, sal, pimenta do reino e nós moscada a gosto

Modo de Fazer

-Coloque a cevada em uma panela junto com água suficiente para cobri-la. Assim que ferver, adicione o caldo.
-Cozinhe em fogo médio até que a cevada esteja macia. (Mexa constantemente e adicione mais água sempre que necessário.)
-Paralelamente, refogue o alho e a cebola ralada em uma colher de manteiga. Reserve.
-Assim que a cevada estiver cozida, junte os temperos e a cebola e alho refogados. Misture bem. Reserve.
-Refogue a cebola em rodelas no restante da manteiga até que fique bem douradinha. Reserve.
-Faça as camadas do quibe começando com a cevada, depois a cebola em rodelas refogada, depois o iogurte, depois a cenoura ralada e, por fim, uma última camada de cevada.
-Regue com azeite e leve ao forno médio por aproximadamente 40 minutos. 
-Sirva em seguida.


*O Vitão aprovou!

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Palavra de mulher

    Aproveitando a nossa localização privilegiada, estreamos  no último sábado a sessão Viagens Curtas de Final de Semana. Sem muitos preparativos, alugamos um carro e saímos rumo a Milão. 
    Os primeiros minutos de direção dentro da cidade foram tensos porque, além de não estarmos habituados ao forte sotaque português do GPS, obviamente não conhecíamos o caminho e tínhamos que prestar uma baita atenção para não atropelar os pedestres de Zürich que atravessam as faixas sem nem ao menos olhar para os lados (Ignoramos o fato de que já estamos criando esse péssimo hábito).
    Achamos a saída da cidade e dirigimos os primeiros quilômetros  da estrada mais lisa de todos os tempos achando que a vista não era tão fantástica assim... Ao sair do primeiro dos muitos tuneis do caminho que cortam os alpes ficamos mais uma vez envergonhados de, descaradamente, ter duvidado das belezas desse país. A paisagem surreal evocou na minha memória as primeiras palavras dos Beatles em homenagem às visões que o LSD proporciona.... "Picture yourself in a boat on a river, with tangerine trees and marmalade skies..." À margem da estrada estava um lago verde esmeralda repleto de barquinhos coloridos, casinhas ao estilo alemão e imensas montanhas nascendo aos pés do lago e crescendo, crescendo, crescendo, florescendo, esverdescendo, nevescendo... Um espetáculo que a objetiva e a inexperiente fotógrafa não conseguiram capturar com fidelidade!
    Mais algumas dezenas de túneis a frente e chegamos ao mais comprido do caminho, que separa a Suíça alemã da suíça Italiana. Esquisitos 17Km de baixo da terra e, o mais impressionante, com rádio disponível! Paramos para comer em Lugano, uma cidadezinha turística bem perto da fronteira com a Itália, e depois de descer os milhões de degraus que separavam o nosso estacionamento da orla de restaurantes, almoçamos de frente para o lago na companhia do nosso pequeno novo amigo, pardalzinho.
    Dali para Milão foi um pulo. E... Quanta gente nesta cidade, meu Deus! Tudo bem que todo aquele movimento nem se compara com a Praça da Sé ao meio dia, mas eu não imaginava que esse pouco tempo fora do Brasil nos desacostumaria a ver multidões. Muito menos de ver pessoas tão, como posso dizer, alternativas! De fato, encontramos ali a inspiração da Renner para bolar o seu slogan... porque se você tem seu estilo, Milão tem todos.
    Fizemos uma ronda rápida de reconhecimento pela cidade, planejando conhece-la melhor no dia seguinte, quando teríamos mais tempo. Jantamos uma pizza inteira cada um e aproveitamos para tomar um choppinho porque ninguém é de ferro. De volta ao hotel, o inevitável aconteceu: revi a minha pizza 4 stagioni num estado avançado de putrefação... Affff... Era de se esperar que o indesejado encontro fosse resolver os meus problemas, mas nada nessa vida é como esperamos,...ainda mais se ultrapassarmos as fronteiras da Suíça.   No domingo, lá estávamos nós em um hospital qualquer de Milão, sendo acessorados  por uma enfermeira saída diretamente de Terra Nostra, e tentando explicar para todos que pretendiam me medicar que sou alérgica a amoxicilina...
    Mas é isso aí... Cidade da Moda, se prepare, eu vou voltar!

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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O fruto proibido

    Estava reparando esses dias que por aqui existem muitos quintais com macieiras carregadas e que nos mercados quase todos pegam um pomo para levar para casa. Reparei nisso porque nunca achei nada de mais do tal fruto proibido e sempre fiquei me perguntando o que raios estavam pensando Adão e Eva quando decidiram abrir mão da vida infinita e de toda a perfeição do mundo para simplesmente comer uma maçã. O pior é que não consta em nenhuma fonte que, naquela época, eles tivessem açúcar e canela para colocar um pouco mais de sabor no pecado do dia...
    Mas se ninguém pode negar que o fruto da árvore da ciência não agrada a gregos e troianos, tampouco poderão me desmentir quando afirmo que foi o McDonald's quem conseguiu uma unanimidade ao criar a tortinha de maçã. E eu desafio quem disser que a danada não é sensacional!
    Foi com isso em mente que hoje, para comemorar nossa primeira aula do idioma germânico, resolvi improvisar a única receita usando a vedete nacional que gosto e consigo pronunciar em alemão: Apfelstrudel ou, para os mais chegados, Torta de Maçã.

APFELSTRUDEL

Ingredientes:
-5 maçãs (as melhores que você achar do tipo que estiver disponível)
-4 colheres de açúcar
-1 pau de canela
-10 cravos-da-índia
-1 pitada de gengibre fresco ralado
-1 xícara de água
-200g do iogurte de sua preferencia (eu usei de tangerina)
-1 punhado de uvas passas
-8 massinhas pré-prontas para torta (Ok, assumo que hoje apelei para a praticidade e não fiz a massa em casa! Mals...)

Modo de fazer:
-Coloque o iogurte em uma peneira fina para que o soro vaze e sobre apenas a parte mais consistente.
-Descasque, retire o miolinho e o cabo das maçãs. Em seguida corte-as em cubos pequenos. Reserve a casca.
-Coloque as maçãs cortadas, o açúcar, a canela, os cravos e a água em uma panela e leve ao fogo médio.
-Mexa a mistura ininterruptamente por aproximadamente 40 minutos ou até que apure.
-Coloque o iogurte consistente no fundo das massinhas e, por cima, o doce de maça ainda quente.
-Para enfeitar use pedaços da casca e as uvas passas.
-Leve ao forno médio por aproximadamente 20 minutos.
-Sirva imediatamente.




quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Pelo menos me rendeu um post...

    Apesar de ainda não ter compromissos firmados, tenho procurado sair de casa todos os dias não só para resolver algumas questões práticas, como também para espairecer a cabeça e ter novas idéias. De uma forma ou de outra acabo atingindo as minhas metas diárias, seja observando o detalhe mais lindo da cidade ou na experiência dolorosa que é ser uma imigrante.
   Hoje, ao sair para o passeio, eu não imaginava o quanto uma missão objetiva poderia trazer de engrandecimento do espírito ...
    Fiz algumas pesquisas no Google e saí de casa munida de um roteiro das academias de ginástica e escolas de línguas por onde eu gostaria de passar para averiguar  horários, preços e métodos. Entre uma visita e outra aproveitei para passar nos mercadinhos e bater perna no centro da cidade. O dia estava agradável e, ao invés de pegar um tram para ir ao último lugar do dia, uma escola de idiomas mais afastada, resolvi ir andando.
    Demorei algum tempo para encontrar a escola que ficava no sobre-piso de uma loja e assim que entrei me vi em uma elegante recepção com uma moça simpática perguntando o que eu desejava. Expliquei o que eu procurava e, minutos depois, ela me apresentou um cara de terno e gravata que iria me falar sobre a forma de trabalho da escola. Entramos em uma sala e depois de apertar a minha mão no robótico "Nice to meet you" não olhou mais na minha cara.
   Se pôs a fazer perguntas sobre os meus objetivos. Respondi. Depois perguntou de onde eu era. "Ah, Brazil?" E então qual era a minha disponibilidade para estudar. "Ah, todos os dias, qualquer horário?" E depois qual era o meu trabalho. "Ah, não trabalha?" E depois qual seria o meu trabalho no caso de eu ter um. "Ah, trabalhou com marketing, mas por enquanto pensa em ficar um tempo vendo outras coisas?"...
    Nesse momento recolheu discretamente o papel onde escrevia as informações e, continuando sem olhar para mim, se pôs a explicar longamente que a Inlinguas decidiu não trabalhar com pessoas desempregadas porque elas não possuem força de vontade e engajamento e só vão às aulas porque não têm outra alternativa.
    Já que a escola não trabalhava com esse tipo de gente, ele me indicou educadamente outras duas ou três nas quais eu poderia me matricular. Para ser ainda mais meu amigo deu a dica fantástica de sempre perguntar qual é quantidade de alunos por grupo antes de assinar um contrato com essas escolas de segunda categoria. Nelas eu poderia, ainda por cima, encontrar centenas de outros pobres estrangeiros desempregados, como eu, e mensalidades irrisórias subsidiadas pelos impostos que ele paga.
    Eu não estava entendendo bem....  Como é possível descrever alguém que diz indelicadezas com polidez? Ou a arrogância em forma de explicação lógica? Ou o desprezo nos olhos de quem não te vê?
  Saí de lá ultrajada... humilhada... ofendida...  Depois das primeiras semanas de adaptação me senti novamente deslocada,  pequena e sozinha. E tudo porque um fulaninho de terno e gravata me classificou categoricamente de "unemployed"... Estava quase subindo no tram quando dei um passo para trás e decidi  voltar para casa a pé na impossível tentativa de dissipar minha raiva em suor e não em lágrimas.
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PS ao meu amigão aconselhador:
http://www.youtube.com/watch?v=pBX25gm8k2M&feature=related

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Mirim

    Hoje o dia amanheceu anunciando que estamos em uma estação de mudanças. A chuva fina caiu o dia inteiro e a temperatura baixou para nada convidativos 7graus. Tudo bem... eu nem queria sair de casa mesmo! Me plantei na frente do computador e comecei a pesquisar coisas que há muito tempo queria ter visto. Não demorou mais de 1 hora. Depois passei aspirador na casa. E pano. Lavei a roupa. Limpei o banheiro. Passei roupa... Olhei pela janela e a chuva tinha dado uma trégua: Acho que mereço dar uma volta...
    Dei um pulinho até o mercado para comprar os ingredientes da gororoba desta noite e aproveitei para despejar algumas garrafas de vidro nas caçambas de lixo reciclável que ficam perto daqui. Voltei para casa, deixei as compras na pia e saí do prédio para checar se havia alguma coisa na caixinha de correspondência. Nada importante. Mas de repente ouvi alguma coisa atrás de mim... Paft! Eu não acredito! Fiquei para fora de casa sem chave, sem guarda-chuva, sem dinheiro, sem telefone, sem lenço nem documento, nada nos bolsos ou nas mãos...  Eram 19:00h.
    De pé no hall olhei para os lados e comecei a imaginar se eu conseguiria arrombar a minha própria janela ou invadir o quintal do vizinho a fim de escalar a varandinha. Não, acho que seria complexo demais explicar para a polícia de plantão os meus nobres motivos. Então passei a fazer as contas da probabilidade de, interfonando, encontrar algum dos 6 vizinhos em casa e de ele falar inglês ou português ou espanhol ou qualquer língua que pudesse ser minimamente entendida. Não, probabilidade tendendo a zero... 19:15h.
    Agachei e me pus a agradecer por ter saído de casaco e pelo fato de o prédio ter uma marquise sob a qual eu pude me abrigar. Agradeci também pela imbecilidade ter tomado conta de mim num horário em que, supostamente, os suíços estão voltando para casa. Tranquilo, daqui a pouco alguém chega e abre a porta para mim... Duas badaladas :19:30h.
    Sentei no canto que ainda estava seco e, para não me atirar na frente do próximo tram, desviei os pensamentos para os aprendizados que eu poderia absorver nesse acontecimento. Eu poderia, por exemplo, nunca mais sair de casa, ou instalar um sistema ultra-moderno que abrisse a porta pelo reconhecimento da nossa retina, ou poderíamos enterrar centenas de chaves em  locais estratégicos da cidade, ou poderíamos deixar uma chave reserva dentro da caixinha de correspondência, ou poderíamos deixar a chave da correspondência e a da porta de casa no mesmo chaveiro.... O sino indicava 19:45h
    Comecei a contar os trams e os ônibus e os carros e as pessoas que passavam pela rua. Logo passei a contar as pessoas que passavam pela rua e que me viam... É, acho que vou ficar aqui por mais algum tempinho.... 20:00h.
    Meu corpo começou a tremer e as pernas a adormecerem. Então lembrei de um e-mail que recebi esses dias que ensinava como meditar a qualquer horário do dia. A meditação se mostrou um bom remédio para muitos e aquele parecia um bom momento para a minha própria salvação. Cruzei as pernas, posicionei as mãos sobre os joelhos com as palmas para cima e comecei a mentalizar, pelo terceiro olho, uma fechadura gigante... dourada... sempre aberta.... uma senhora.... ela se aproxima.... com um guarda-chuva... com umas sacolas... com uma chave... Click! Entrei em estado alfa... 20:15h.

domingo, 18 de setembro de 2011

As crianças que aqui gorjeiam

    Se enganou quem pensava, como eu, que a Suiça era um país de velhos. De fato, encontrei um mar de cabeças brancas, mas ao contrário da minha expectativa elas não estavam em corpos carquebrados, curvados e com saudosas memórias dos anos 30, mas sim em estaturas pequeninas, cheias de elasticidade, olhos acessos e roupas exageradamente coloridas. 
    Espantosamente, Zurique é a cidade com o maior índice de criança per capta que eu conheço! Não sei se a taxa é estatisticamente comprovada, mas na observação não é possível negar que o instinto materno brotou fortemente nos corações nos últimos 5 anos.
    As crianças pequenas caminham livres e se espalham por toda a cidade. Estão nas ruas, nos parques, nos Kindergardens, nos trens, nos mercados, na beirada do rio, nos colos, nos carrinhos, nos patinetes, nas garupas das bicicleta, nos quintais, nos restaurantes... É uma invasão! Mas, ao contrário do que era de se esperar, essa invasão não parece ser de maritacas, mas sim um enxame de borboletas risonhas que desafiam o duro idioma falando o mais doce alemão.


 






sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Aprendendo o Beaba

    Na terra do queijo e do chocolate vim descobrir que não são as técnicas culinárias que trazem dificuldade para a atividade gastronômica. Sempre curti e me debulhei neste tema, mas não foi preciso chamuscar o meu cérebro para conseguir atar uma carne, nem diluir as minhas energias na tentativa de dourar um frango desossado. É certo, no entanto, que tive que apurar a técnica trivial de cozinhar no bafo, mas, por favor, abafe!
     Marinada na nova realidade, descobri que o difícil mesmo é fazer um picadinho sem carne ou fingir que fava é feijão. O difícil mesmo é comprar alho por cabeça e limão por unidade.  O difícil mesmo é viver sem farinha Deusa e ter só risoto para fazer o bolinho de arroz.  O difícil é suportar a ausência do chocolate do Padre mesmo que eu ache a farinha de trigo na gôndola do pepino em conserva. O difícil mesmo é ter que tragar suco de laranja de caixinha e garantir a sustância do mingau sem a maisena de todos os dias....E na minha inocência eu achava que o brasileiro é que tinha motivo para ser criativo!
    Enquanto me familiarizo com as novas dificuldades, coloco a minha saudade em banho-maria e vou destrinchar os segredos que minha avó me ensinou.

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  • Atar: Amarrar a carne com um fio para que ela mantenha o formato durante o cozimento.
  • Apurar: Deixar cozer lentamente a fim de que o sabor seja realçado e a consistência aumente.
  • Banho-Maria: Aquecer indiretamente um alimento usando uma vasilha dentro da outra com água.
  • Chamuscar: Passar rapidamente na chama do fogão.
  • Cozinhar no bafo: Cozinhar no vapor.
  • Curtir: Deixar o alimento num determinado molho ou tempero para que ele tome gosto.
  • Debulhar: Tirar ou separar os grãos, bagos ou sementes.
  • Desossar: Retirar os ossos de frangos ou peixe sem que eles percam o formato original.
  • Destrinchar: Cortar a ave em pequenos pedaços (Alla Jack Estripador)
  • Diluir: Misturar água com alimento sólido a fim de que este se dissolva.
  • Dourar: Dar cor ao alimento.
  • Marinar: Imergir o alimento em um líquido que contenha vinho, limão ou vinagre.








quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Uma questão de repertório

    Foi uma experiência interessante e as vezes doída poder observar a  expressão das pessoas toda vez que contávamos que estávamos de mudança para a Suíça. As reações foram desde a surpresa paralizante até a euforia e, em alguns casos, passaram por etapas parecidas com as de quem se recupera do luto ou da dependência química.
    Apesar das reações diversas, em geral, todos ficaram muito felizes pela oportunidade que estava aparecendo para nós e, invariavelmente, pintava o comentário sobre os ganhos que teríamos na qualidade de vida. Olhando aqui pela janela da sala não é muito difícil afirmar que este será um grande benefício e acho que terei muitos momentos para comentar e exemplificar isso....
    Acontece que nesses primeiros dias de trabalho do Vitão a tal da qualidade de vida dele não tem sido muito aos moldes do que sonhamos e do que profetizaram. Principalmente no que tange a jornada de trabalho. Os dias tem sido longos e estressantes para ele e na sexta-feira, em especial, se prolongou muito além das 8 horas legais que deveriam valer também aqui na Suiça. E justo no dia em que eu pretendia fazer carne para o jantar!
    Longe de mim ser a esposa doida que gera mais uma pressão na vida dele! Então, enquanto esperava sua chegada, pus os miolos para trabalhar e comecei a pensar nas músicas que poderíam ter algum significado neste momento e animá-lo depois do dia tão pesado de labuta.
    Pensei em "What a wonderful world" cantada pelo Luis Armstrong mas achei que era muito melada e clichezona... Lembrei de "Brasil Pandeiro" dos Novos Baianos, mas, além de a referência sobre a gente bronzeada não ter nada a ver conosco, também a sugestão dos temperos e sabores brasileiros é uma melhor referência para mim do que para ele.... Pensei também no sambinha "Vai trabalhar vagabundo" do Chico, mas esta, assim como "Capitão de Indústria" dos Paralamas do Sucesso, definitivamente, não iria anima-lo.... Não, nenhuma parecia se encaixar perfeitamente...
    Já estava quase desistindo quando ouvi o trinco e o Vitão apontou a cabeça na porta com o pedido de desculpas estampado na cara. Neste momento a música tema veio imediatamente à minha cabeça:
    -Nossa, Lô, desculpa... Quase perco o último trem... que passa às Onze...

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Para quem não conhece:


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Cisnes e homens

    Ontem fomos almoçar em um restaurante alemão com uma família de brasileiros que também se mudou para cá por conta da Unilever. Foi tudo muito gostoso e pudemos experimentar novamente o sabor único do almoço de Domingo em grupo. E ainda, com direito à todos os acessórios que este tipo de evento proporciona: companhia agradável, cardápio estranhamente em português (???), comida gostosa e nada saudável, conversa alegre em meio ao tintilintar de talheres e, o maior trunfo de todos, uma criança entre nós!
    O dia estava lindo e quente até mesmo para os nossos padrões. Então, depois do almoço, fomos até o lago, onde estavam aglomerados todos os habitantes de Zürich, para molhar um pouco os pés e mostrar os "patinhos" para a criança.
    Sentamos em um dos bancos que margeia a água e usamos a casquinha do sorvete como artifício para atrair os cisnes. A arma se mostrou tremendamente eficaz. Os bichos, que estavam cada qual e uma posição do lago, ligaram seus sensores no exato momento em que aproximamos o cone de waffel da água... Em poucos segundo observamos que todos eles vinham na nossa direção. Contei 13.
    Foi uma festa! No primeiro momento eles fizeram fila para tirar uma casquinha, mas no minuto seguinte  começaram a se atacar e soltar uns sons engraçados. Nesse momento me perguntei o porque da expressão Aqueles dois não se bicam...a expressão correta para  indicar que duas pessoas não se gostam deveria ser Aqueles dois se bicam! Poxa, e são bichos tão bonitos, tão elegantes, tão celestiais, tão... tão... tão brancos!! 
    A menininha logo se desinteressou dos "patinhos" e começou a pedir para ir embora. Nos afastamos do lago, mas os cisnes continuaram lá. Em rodinha. Em grupo. Em harmonia. Em meio ao tintilintar dos bicos. Como se estivessem discutindo sobre a deliciosa refeição do dia. E eu me dei conta das semelhanças entre todos aqueles cisnes e nós: realmente nós não nos bicamos!



domingo, 11 de setembro de 2011

Minha nova amiga

    Para desespero do Vitão, que às 11 da noite já está no modo sono involuntário, sempre fui muito mais noturna do que diurna. É depois que o sol se poe que minha pequena criatividade dá as caras, o ânimo se apresenta e tenho a súbita vontade de arrumar os armários e passar pano na casa inteira. 
    Na última semana essa loucura se transformou em algo mais: insônia. E que ninguém confunda as duas coisas: ao passo que antes, logo após ser tomada pelo estranho pique eu me entregava aos braços de Morpheu sem dificuldades, agora me pego de olhos arregalados olhando para o teto escuro sem a menor vontade de fazer uma faxina.
    Não é das melhores amigas que já tive...Mas certamente, assim como os piores conhecidos, também me trás certas inspirações. Enquanto meu corpo está largado e tentando, sem sucesso, encontrar uma melhor posição, minha cabeça faz infinitas sinapses mentais. Papo de nerd... Ou melhor, papo de dependente... Alguém tem um Dormonide aí?

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Insignificante passo para a humanidade, grande passo para mim

    Ontem fez exatamente uma semana que nos mudamos e ainda sinto uma sensação estranha de não pertencer a essa cidade. Alguns irão julgar isso óbvio e outros me condenar por não me adaptar rápido à uma realidade supostamente tão mais divina. 
    O engraçado é que esse sentimento, de certa forma incomodo, está intimamente relacionada com a perplexidade que ainda tenho cada vez que olho para qualquer coisa daqui: as crianças tão pequenas andando sozinhas nas ruas, a organização e limpeza da cidade, o aceno leve de cabeça que o desconhecido dá ao passar por mim, o pêssego maravilhoso, a senhorinha recitando poemas dentro do bonde (imagino que seja um poema), o cheiro familiar do pinheiro que está em todo lugar, as incontáveis pessoas sentadas ao ar livre simplesmente contemplando, a cor tão viva de tudo...  E isso eu não gostaria de perder!
    Não sei bem se pela minha cara de paisagem ou se pela minha tez ultra-bronzeada, tem acontecido com muita frequência de as pessoas me abordarem na rua para pedir informação. Só hoje foram duas vezes! Isso me fez pensar que se tantos já estão achando que sou daqui, eu também deveria catalizar essa perspectiva... mas como fazer isso sem abrir mão da pequena aceleração no peito que tenho ao levantar os olhos e me deparar com o do pôr-do-sol marcando de lilás a silhueta da cidade?


Um fio de cabelo

    Há anos tenho nutrido o péssimo hábito de arrancar algumas dúzias de cabelo branco todas as noites antes de dormir. Aqui na nova terra o hábito não se extinguiu ou intensificou, apenas permaneceu.
    Já ouvi inúmeras teses sobre esses infelizes que insistem em povoar a minha cabeça desde os meus 15 anos:
    -É o stress.... 
    -É o excesso de café....
    -É o ar poluído....
    -É a mutação que anula a atividade do gene Bcl2....
    -É porque você arranca....
    -É porque... 
    -É porque.... 
    -É porque....
    Não sei qual delas tem fundamento. O fato é que me enquadro em todas as explicações e, talvez por isso e para o meu desespero, a cada dia que passa gasto mais minutos executando a tarefa extremamente difícil para uma míope. 
    O que não faltam na internet são sugestões de mandingas e tratamentos, digamos assim, heterodoxos para acabar com o problema. Mas como não estou muito afim de me sujeitar a esfregar manteiga (nunca margarina!) no couro cabeludo ou comer todos os dias em jejum 3 sementes de groselha espinhosa da Índia (??????) acho que vou ficar grisalha antes do tempo mesmo....
    Com exceção da minha obsessiva exterminação e das supostas causas genéticas, todos os demais fatores determinantes estão sendo atenuados nesse período de mudanças. Não posso dizer que ando estressada, muito menos que há poluição por aqui. E uma coisa que posso, sem a menor sombra de dúvidas, afirmar é que o café daqui sucks!
    Ontem a noite no meio da minha tarefa diária me espantei! E então estreitei meus olhos para garantir se o que eu via era mesmo verdade: "Este cabelo branco tem uma raiz castanha de 3 cm!" E nesse exato momento o sino da igreja começou a badalar:  Aleluia, um fio havia se convertido!