segunda-feira, 18 de junho de 2012

Os Animais do Bosque dos Vinténs

    Nesse sábado saímos de um animado churrasco brazuca às 2 horas da manhã e pela segunda vez na vida nos deparamos com as, mundialmente conhecidas, restrições do transporte público Suíço... Explico: em Zürich o transporte regular pára de passar à meia noite e meia e a partir desse horário as opções de locomoção se restringem a ônibus noturno (que passa a cada meia hora), taxi (que custa mais ou menos os dois olhos da sua cara) ou seus próprios pés.
    Auxiliados pela ansiedade para chegar logo em casa, nossa peculiar pão-durice,  muita loucura na cabeça e alguns mililitros de sangue no álcool, decidimos encarar os 2 quilômetros do caminho e começamos a subir as intermináveis escadas que cortam a cidade.
    Talvez em outros tempos o avançado da hora, a escuridão e o vazio ecoante das ruas pudessem nos causar medo e acelerassem os nossos passos. Mas nesse sábado nos abismamos mais uma vez com  essa cidade. A convidamos para um passeio e sentimos o seu cheiro de flores sufocadas pelo ar quente da noite. Desfrutamos do seu silêncio só cortado pelo barulho dos grilos e pelas nossas respirações ofegantes.
    No meio da contemplação fomos interceptados por um bicho. Tinha andar parecido com o de um gato e porte igual a de um cachorro. Saltou repentinamente na nossa frente e, sem se dar muito conta da nossa presença, atravessou a avenida desértica usando, obviamente, a faixa de pedestres. Perplexos, seguimos o vulto até o parque do Hospital e em meio às luzes difusas da noite pudemos reconhecer uma raposa!
    Percebendo passos estranhos atrás de si correu para um pequeno morro gramado. Parou no cume, alguns metros a frente de uma lâmpada de jardim, e se voltou para nós surpresa. Encarou-nos por algum tempo com seus olhos vidrados, orelhas de pé e rabo felpudo reluzindo a luminosidade artificial. Em seguida escafedeu-se no meio das árvores daquele oásis urbano nos deixando extasiados...
    Naqueles poucos instantes cara a cara sentimos o respeito mútuo pela similaridade da situação: o bicho selvagem explorando as estranhezas do coração da cidade e nós, seres humanos do hemisfério sul, tão fora do nosso habitat natural perplexos com as surpresas dessa nova terra.

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Para quem ficou saudoso vai a abertura do antigo desenho da Cultura: http://www.youtube.com/watch?v=6jln3u_L9Hc



sexta-feira, 15 de junho de 2012

Visita Indesejada

    Isso já me aconteceu outras vezes. É só o tempo abrir (e as janelas também, por consequência) que o som repugnante cutuca lá no fundo os meus instintos mais selvagens e traz a tona o que há de mais violento em mim. Em dias de menor fome, menor também é a fúria. Hoje, para sua infelicidade, eu estava em jejum...
    Picava legumes para o almoço no momento em que notei sua presença. Ainda de costas, calculei sua distância, respirei fundo para acalmar o espírito e me preparei para o primeiro confronto do dia. Com a faca em punho virei bruscamente procurando o inimigo. Vi em seus enormes olhos verdes o reflexo do meu espanto e instintivamente me esquivei para a direita. Senti seus movimentos rápidos agitando o ar a minha volta e o zunido incessante me provocava dizendo: agora é você ou eu!
     Me recompus da maneira que pude e avancei para o ataque ainda sentindo a aceleração cardíaca típica das mudanças súbitas de humor. Vupt. Uma facada no ar! O inimigo saiu ileso e desafiou o meu equilíbrio ao passar por debaixo das minhas pernas. Tentou se aproximar da panela descoberta e, num relâmpago, pensei que esse poderia ser o momento ideal para trocar minha arma por uma ainda mais branca. A faca quicou no chão e estiquei o braço esquerdo para alcançar o pano de prato. Úmido. Muito mais mortal.
    Seu voar incerto enganou minhas previsões de movimento fazendo com que o pano canhoto passasse a muitos palmos de distância do alvo. Mesmo assim a corrente de ar gerada arremessou-a contra a parede deixando-a tonta. Os tics e tocs do seu corpo débil batendo em todos os móveis, ao invés da esperada piedade pelos  moribundos, me despertaram ainda mais ira. Passei a esbofetear nervosamente os armários, a geladeira e a pia numa tentativa desesperada de, por engano, atingir o ser que atentava contra a minha paz doméstica.
    Parei quando minha parca preparação física impediu mais golpes. Foquei os olhos e afinei os ouvidos tentando descobrir para onde todos aqueles aleatórios fluxos de ar tinham levado a minha rival. E lá estava ela, próxima do rodapé, sorrindo da cena deplorável. Ao perceber que eu tinha encontrado o seu paradeiro, engoliu a gargalhada, juntou suas patinhas dissimuladas pedindo forças ao Nosso Senhor e disparou na minha direção com a intenção clara de entrar no meu ouvido e me azucrinar para o resto da vida.  Furiosa, estiquei o pano com as duas mãos e num movimento-estilingue acertei na mosca!




quinta-feira, 14 de junho de 2012

A-gente

A gente separa mas não divide
A gente não trata com preconceito
O espaço é pouco e não decide
Se é distante ou tem laço estreito

Agente olha o que está guardado
Agente aceita qualquer proposta
Agente oculta o indeterminado
E transforma a matéria decomposta

A gente em volta nos diz respeito
Com mais efeito do que se aposta
A gente conjuga este sujeito
Como se única fosse a resposta

Nosso propósito coincide
Mas o linguajar é imperfeito
A gente discorda mas não agride
Mesmo que disto não tire proveito

A gente é brasileiro e não se discute
Apesar do nós, que a escola defende
Família, amigos, amores: A gente
Como espanhol não entende