sexta-feira, 15 de junho de 2012

Visita Indesejada

    Isso já me aconteceu outras vezes. É só o tempo abrir (e as janelas também, por consequência) que o som repugnante cutuca lá no fundo os meus instintos mais selvagens e traz a tona o que há de mais violento em mim. Em dias de menor fome, menor também é a fúria. Hoje, para sua infelicidade, eu estava em jejum...
    Picava legumes para o almoço no momento em que notei sua presença. Ainda de costas, calculei sua distância, respirei fundo para acalmar o espírito e me preparei para o primeiro confronto do dia. Com a faca em punho virei bruscamente procurando o inimigo. Vi em seus enormes olhos verdes o reflexo do meu espanto e instintivamente me esquivei para a direita. Senti seus movimentos rápidos agitando o ar a minha volta e o zunido incessante me provocava dizendo: agora é você ou eu!
     Me recompus da maneira que pude e avancei para o ataque ainda sentindo a aceleração cardíaca típica das mudanças súbitas de humor. Vupt. Uma facada no ar! O inimigo saiu ileso e desafiou o meu equilíbrio ao passar por debaixo das minhas pernas. Tentou se aproximar da panela descoberta e, num relâmpago, pensei que esse poderia ser o momento ideal para trocar minha arma por uma ainda mais branca. A faca quicou no chão e estiquei o braço esquerdo para alcançar o pano de prato. Úmido. Muito mais mortal.
    Seu voar incerto enganou minhas previsões de movimento fazendo com que o pano canhoto passasse a muitos palmos de distância do alvo. Mesmo assim a corrente de ar gerada arremessou-a contra a parede deixando-a tonta. Os tics e tocs do seu corpo débil batendo em todos os móveis, ao invés da esperada piedade pelos  moribundos, me despertaram ainda mais ira. Passei a esbofetear nervosamente os armários, a geladeira e a pia numa tentativa desesperada de, por engano, atingir o ser que atentava contra a minha paz doméstica.
    Parei quando minha parca preparação física impediu mais golpes. Foquei os olhos e afinei os ouvidos tentando descobrir para onde todos aqueles aleatórios fluxos de ar tinham levado a minha rival. E lá estava ela, próxima do rodapé, sorrindo da cena deplorável. Ao perceber que eu tinha encontrado o seu paradeiro, engoliu a gargalhada, juntou suas patinhas dissimuladas pedindo forças ao Nosso Senhor e disparou na minha direção com a intenção clara de entrar no meu ouvido e me azucrinar para o resto da vida.  Furiosa, estiquei o pano com as duas mãos e num movimento-estilingue acertei na mosca!




Um comentário:

  1. Oi Helô! Fiquei aqui imaginando essa estatura toda combatendo em desespero para tentar restituir a "paz doméstica". Dei risada. Gostei do Blog! Espero que tenham chegado bem em casa. Imagino que este "home" nunca foi tão "swiss home", né? Beijos para você e para o Vitor!
    Andrea

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